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Revelar a deficiência no currículo, ou não? Dúvida pode ter origem milenar

Revelar a deficiência no currículo, ou não? Dúvida pode ter origem milenar

O trabalho de inclusão de profissionais com deficiência é algo conquistado com o empenho de diferentes pessoas, em contextos diferentes.

Já publicamos conteúdos que comentam boas práticas e trazem reflexões para as organizações. Falamos sobre diretrizes fundamentais, mitos e verdades e o nosso blog já explorou alguns conceitos sobre a vida de pessoas com deficiência.

Hoje vamos olhar um pouco mais de perto para um aspecto pontual e muito conectado à experiência de candidatos e candidatas com deficiência. Vou me afastar do papel de especialista e comentar a minha vivência enquanto profissional em busca de uma oportunidade de trabalho.

Durante essa fase da minha vida, já me deparei com uma pergunta muito comum, que deve rondar outras pessoas também: “eu devo, ou não, comentar a minha deficiência no meu currículo?”. A resposta não é simples e pode ser, inclusive, ambígua:

  • Sim. Ao dizer que tem uma limitação, você dá a chance de quem vai te entrevistar se preparar.
  • Não. Você pode abrir uma brecha para discriminação e ter o seu perfil eliminado por conta da sua deficiência.

Ambas as respostas são válidas e eu já vivi os dois cenários. Já encontrei Recrutamento e Seleção que apenas perguntou se eu precisava de assistência e também quem quis me direcionar para uma vaga exclusiva para pessoas com deficiência, mesmo eu não querendo, ou tendo perfil para aquela posição “Nós temos vagas que são pra vocês”, a pessoa disse.

Há ainda um terceiro fator a ser considerado. Não é apenas uma questão de informar no currículo, ou não, mas é também uma reflexão sobre ocultar a deficiência, ou não. Eu me locomovo em uma cadeira de rodas. Mesmo se eu não comentar nada no meu perfil, a partir da entrevista, ou qualquer dinâmica presencial, vão saber que eu tenho uma deficiência. Não tem como escapar.

Mas, e quando a gente pensa em pessoas que têm limitações não visíveis? Uma deficiência visual, auditiva, ou uma característica do espectro autista, por exemplo, não são necessariamente percebidas logo de cara.

Conversei com uma garota que tem surdez, usa aparelho auditivo e preferia não cortar o cabelo, porque o cabelo longo possibilitava esconder o aparelho. Por outro lado, certa vez um colega dentro do Espectro Autista me disse que ele gosta de comentar que tem essa característica. Afinal, é parte de quem ele é.

Não revelar a deficiência no currículo, ou tentar disfarçar de alguma forma são receios e dúvidas que têm conexão com o capacitismo dos outros em relação à pessoa, ou dela contra ela mesma. É possível ter vergonha da própria deficiência e desejar que ela não estivesse ali.

Alguém já parou para pensar o porquê disso ser tão presente no nosso consciente e no nosso inconsciente? Que tal darmos uma olhada (ampla) na presença da pessoa com deficiência, ao longo da História?

Como comentei, é uma análise ampla e sem entrar em detalhes, mas provoca uma reflexão importante.

Durante mais de 1.500 anos as pessoas com deficiência não eram consideradas pessoas. Eram descartadas, ou usadas como fonte de esmola, ou para a prostituição. Isso acontecia naturalmente, com o aval do estado. Pais e mães eram autorizados a abandonarem seus filhos, caso nascessem com alguma deficiência e soldados que voltavam de batalhas com ferimentos graves, perdiam a sua utilidade para a sociedade.

Os valores Cristãos contribuíram muito para a sobrevivência de pessoas com deficiência, ao longo desse recorte histórico. Por mais 1.900 anos a pessoa com deficiência teve direito à vida, sob um olhar de acolhimento e assistencialista. Inúmeras instituições cumpriam esse papel de abrigar, ou de prestar auxilio na alimentação e vestimenta, na bandeira de caridade.

Estamos falando de quase 3 mil anos de História em que a pessoa com deficiência não participou ativamente de dinâmicas sociais, não teve direito ao trabalho, a constituir família e não foi considerada como parte ativa do seu ambiente.

Isso começou a mudar apenas durante o século XX, graças ao avanço da ciência e medicina. A deficiência de alguém passou a ter um diagnóstico, com características cientificamente comprovadas e o movimento de reabilitação ganhou força. Esse recorte e abordagem em relação à pessoa com deficiência é chamado de Modelo Médico.

Durante esse período, a qualidade de vida e saúde da pessoa com deficiência teve significativos avanços. A prática baseada em evidências possibilitou a compreensão de uma série de limitações, e, ao mesmo tempo, novas soluções em tecnologias assistivas possibilitaram a autonomia em atividades do dia a dia para muitas pessoas.

Porém, o modelo médico tinha como foco principal tentar encontrar uma solução para a deficiência, como se fosse algo que precisa ser eliminado.

Dos anos 80 em diante, duas fases fundamentais para a real inclusão se consolidaram. A adoção do modelo psicossocial e a fiscalização da Lei de Cotas para Profissionais com Deficiência. O modelo psicossocial passou a considerar uma pessoa com deficiência como alguém que tem características ligadas à prática clínica e que precisa de reabilitação, sim, mas que está inserida na sociedade e é papel de todo mundo contribuir para a inclusão efetiva desse indivíduo.

E finalmente chegamos na fiscalização com mais vigor da Lei 8.213, de 1991. A Lei de Cotas para Profissionais com Deficiência. Foi apenas a partir de 2005 que os órgãos competentes passaram a cobrar com mais firmeza o cumprimento de cotas entre empresas com mais de 100 colaboradores. Isso vem contribuindo bastante para a empregabilidade e inclusão plena de pessoas com deficiência no país e ainda há muito por fazer.

Portanto, estamos falando de 3 mil, contra 18 anos de História. A inserção no mercado de trabalho teve impulso há menos de 20 anos e ao mesmo tempo, pessoas com deficiência não eram vistas como participantes sociais durante 3 milênios.

Acho que eu entendo o receio de alguém em revelar que tem uma deficiência. Eu nunca pude esconder a minha e não seria justo eu declarar que não tem nada de mais. Ao mesmo tempo, admiro a opinião do meu amigo que me disse que gosta de comentar o seu próprio autismo, porque é parte de quem ele é.

Se você tem essa dúvida e fica em conflito interno, te convido a pensar nas palavras desse meu amigo. Vá com calma, equilíbrio e no seu tempo. Naturalizar a deficiência é um dos melhores caminhos para a inclusão. E isso precisa começar com cada um de nós.

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